quinta-feira, 27 de novembro de 2008

Artigo publicado em Brasil sem Grades

Artigos
Alvos Jovens
Eles cresceram assistindo a cenas de violência pela TV. Quando começaram a freqüentar suas primeiras festas, ouviam falar do que tinha acontecido com o amigo de um colega. Hoje, a maioria já tem a própria história para contar. Acossados pelo medo, adolescentes e jovens de classes média e alta viraram reféns de seus próprios comportamentos.Oque assusta nem é mais o risco de ser vítima de um ataque: é a banalidade que pode transformá-lo em morte. O tênis de que mais gostam, o celular da última moda, os lugares que freqüentam. Qualquer um deles serve de pretexto para um crime, como alertam as mortes de Igor Santos Carneiro, 18 anos, atingido por bala perdida na saída de uma festa com bebida liberada, e de Rafael Ferreira da Rosa, da mesma idade, assassinado por um bando que roubou seu skate.Durante um bate-papo sobre o tema promovido por Zero Hora e Kzuka com estudantes do Ensino Médio do Colégio La Salle Santo Antônio, na Capital, foi difícil encontrar algum que não tivesse experiência traumática para contar. Mesmo tendo 17 anos, a aluna Liz Boschi, do 3º ano, estava na festa em que Igor foi morto. Ouviu três tiros. Lembra da correria, da gritaria. Do pânico. Desde então, tem medo de sair. Uma semana depois, durante um passeio de dia, viu um jovem apontando um objeto para a própria cabeça. Ficou tão apavorada que quase chorou, imaginando se tratar de uma arma. O rapaz só estava ouvindo um MP3.– Parece que pode acontecer qualquer coisa, em qualquer lugar. Antes, a violência parecia uma coisa longe, que nunca ia acontecer com a gente. Em festas com bebida liberada não vou mais – decidiu.Entre seus colegas, quase todos já foram assaltados. Não é coincidência. Ávidos por novidades tecnológicas, como celulares, iPods e máquinas digitais, os adolescentes se tornam alvos cada vez mais cobiçados pelos criminosos, analisa o responsável pela Delegacia para a Criança e o Adolescente Vítimas de Porto Alegre, Anderson Spier. Além de carregarem objetos de valor, são vítimas mais fáceis.Embora lamentem as perdas materiais, o que mais incomoda os adolescentes é a perda de um porto seguro.– Hoje não tem mais lugar onde isso não acontece. Nem em shopping dá pra ir mais, tem um monte de bonde (arrastões de gangues) – protesta Paula Pessini, 16 anos, do 3º ano.Na conversa, os estudantes oscilam entre a consciência do perigo e a revolta contra a limitação de movimentos.Para a psiquiatra Olga Falceto, professora do departamento de psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, esse é um dos dilemas que os pais precisam enfrentar.– Está todo mundo desorientado. O jovem quer espaço, e os pais ainda estão querendo passar ordens, como se os filhos fossem crianças. Isso não funciona, tem de buscar o diálogo. Não adianta entrar em pânico – adverte.Se os jovens não vão deixar de usar roupas de marca, uma conversa em casa pode ajudar a estabelecer onde e quando exibi-las, orienta a psicóloga Paula Hintz Baginski, especialista em infância, adolescência e famílias:– Não adianta proibir. É possível pensar regras conjuntas e chegar a um meio termo, negociando.Mesmo adorando roupas de marca, o estudante Artur Figueiró, 16 anos, deixou de usá-las todos os dias. Aos 12 anos, lembra ter sido perseguido por assaltantes em um passeio ao zoológico. Para ele, a prevenção é opção. No caso de Malú Ferreira da Rosa, 16 anos, irmã de Rafael, é uma condição. Traumatizada pela morte do irmão a duas quadras de casa, hoje só sai para ir à escola. Deixou de sair até para as aulas de inglês. Duas vezes por semana, o professor é que vai à sua casa.– Sinto falta de sair com meus amigos, mas tenho medo. A gente tem de ficar trancado em casa, enquanto os bandidos estão na rua – desabafa.Mas quem são esses criminosos? Boa parte dos que praticam violência contra jovens também são jovens, lembra o psicólogo Saul Dias. Quem mata por um tênis responde ao sonho de consumo de uma sociedade que ensina que quem usa uma roupa de grife vale mais. E isso precisa ser tratado.– Um problema central dessa violência toda é a ausência dos pais em casa. As famílias não almoçam mais juntas, os vínculos estão se perdendo. Quem são os modelos desses jovens violentos? – questiona Dias.Fonte: Zero Hora (23/11/08)

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